Editorial
Corpo, performatividade, ato sexual... As diferentes representações da sexualidade nas artes
30 out 2017, 15h03
A sexualidade humana é uma temática antiga da arte que a explora em diferentes formatos. É justamente essa mistura de tempos, geografias e suportes que constitui “Histórias da sexualidade”, em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (Masp), até fevereiro de 2018.
Menores de 18 anos podem visitar a exposição, desde que acompanhados por seus pais ou responsáveis. Inicialmente, a mostra estreou com classificação indicativa restritiva, ou seja, mesmo que acompanhados por pais ou responsáveis, menores não podiam ver a mostra. A mudança na classificação surgiu a partir de uma nota técnica divulgada pelo Ministério Público Federal.
Concebida há dois anos, a mostra abriu em meio a um debate acirrado, em que a exposição “Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira” foi cancelada em Porto Alegre e duras críticas foram direcionadas ao Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) pela realização da performance “La Bête”, quando o performer Wagner Schwartz se apresentou despido diante um público que continha uma criança.
O tema também foi destaque no mundo no começo de outubro, quando a escultura “Domestikator”, obra do artista holandês Joep van Lieshout, considerada sexualmente explícita, foi retirada do Jardins das Tulherias, no Louvre (Paris).
“A discussão em torno da sexualidade, do gênero e da identidade no Brasil vive uma situação paradoxal. Tivemos avanços no teor do debate e na esfera legislativa, mas também tivemos um agravamento dos discursos de ódio e da intolerância. Como a arte é um campo de negociação, ela canaliza tudo isso”, afirma Paulo Miyada, pesquisador e curador do Instituto Tomie Ohtake. Ele reflete sobre aspectos que perpassam a representação da sexualidade humana.
(1) Corpo
“Um dos problemas fundadores da arte está em torno do corpo do artista e de seus representados. Essa é uma discussão intrínseca ao que entendemos como arte na Sociedade Ocidental”, explica Paulo Miyada. O corpo não é um elemento exclusivo na reflexão em torno da sexualidade, mas é essencial a ela.
Dividida em nove núcleos, “Histórias da sexualidade” traz seções como o “Corpo nu”, que expõe diferentes momentos e formatos da silhueta humana. Já a Frieze, uma das principais feiras de arte do mundo que aconteceu no começo de outubro em Londres, dedicou o setor “Sex Work: Feminist Art & Radical Politics” a artistas feministas que exploram desde os anos 1960 diferentes interpretações da sexualidade. A representação do corpo foi destaque da seção, como na obra da artista polonesa Natalia LL.
"Angélica acorrentada", de Jean-Auguste-Dominique Ingres, 1859 (imagem: Acervo Masp/João Musa)
"Moema", de Victor Meirelles, 1866 (imagem: Acervo Masp/Alexandre Cruz Leão)
Trabalho de Natalia LL, na Frieze London (imagem: Mark Blower/Frieze)
(2) Sexualidade
“Essa representação tem a ver como cada sujeito ou grupo social se identifica e contrói um lugar de visibilidade e de fala. Esse aspecto apresenta discussões, performatividades e papeis atribuídos à sexualidade de maneira mais ampla. Aqui não há necessariamente imagem de corpo”, afirma Miyada.
O núcleo “Performatividade de gênero”, da exposição do Masp, trata justamente dessas representações que negociam com o socialmente estabelecido. A clássica performance “Experiência n. 3”, de Flávio de Carvalho, e a obra “Magnolia with mirror”, da artista mexicana Graciela Iturbide, são exemplos desse aspecto. Brincadeiras com a linguagem também permeiam esse elemento, a exemplo da obra de Georgete Melhem, no núcleo “Linguagens”, de “Histórias da sexualidade”.
"Experiência n. 3", de Flávio de Carvalho, 1956 (imagem: Acervo Masp)
"Magnolia with mirror", de Graciela Iturbide, 1986 (imagem: Graciela Iturbide e Throckmorton Fine Art)
"Gêneros e números I", de Georgete Melhem, 1969 (imagem: Romulo Fialdini/Tempo Composto)
(3) Ato sexual
“Uma questão muito importante na representação da sexualidade humana é a imagem do ato sexual em si. Essa é a parte mais problemática, já que, na Sociedade Ocidental, ela é relegada ao campo do privado ou do tabu. Os trabalhos podem se relacionar com essa restrição de modos diferentes – podem provocar o choque, o desconforto, ou podem tentar naturalizar aquele ato sexual para que ele saia da chave da ‘culpa’ ou do proibido”, reflete Miyada.
A obra “Cenas do Interior II”, de Adriana Varejão, causou comoção na exposição “Queermuseu” e é um exemplo dessa figuração do privado e das diferentes manifestações do ato sexual – assim como a clássica obra do artista japonês Keisai Eisen. Os trabalhos de Varejão e Eisen fazem parte do núcleo “Jogos sexuais”, da exposição “Histórias da sexualidade”. “Domestikator”, do artista Joep van Lieshout, protagonista da polêmica em Paris, é mais um exemplo de uma obra que remete a esse elemento.
Para Miyada, a representação do ato sexual precisaria de um cuidado maior em uma mostra. “Como ela está no campo do tabu, é preciso tomar certas precauções”, afirma. Essa reflexão abre espaço para que o corpo, intrínseco à arte, e a sexualidade, intrínseca à vida, possam ocupar espaços mais livres de exposição.
#respirearte
"Cena do interior II", de Adriana Varejão, 1994 (imagem: divulgação)
"New Years Day"
[Dia de Ano Novo], de Eisen, 1835 (imagem: Ronin Gallery/ NY)
"Domestikator", de Joep van Lieshout, 2015 (imagem: divulgação)
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