Editorial
O artista Jonathas de Andrade pontua o político na arte e o "transe da troca" em seu processo criativo
17 Jul 2017, 3:04 pm
Destaque da 32º Bienal de São Paulo, em 2016, o artista alagoano Jonathas de Andrade percorre diferentes plataformas artísticas e ressalta em todas as suas obras um forte conteúdo social e político – sobretudo no contexto latino-americano. “Entendo minha posição menos como ativista, e mais como um experimentador que mergulha em sensações sociais que sacodem questões para todos os lados. Me interessa escutar e colher o que surge a partir daí”, afirma. A narrativa visual associada às cores e formas do nordeste brasileiro também é uma marca do artista, que vive hoje no Recife (PE). À SP-Arte, ele conta como começou a seguir a carreira das artes, quais as particularidades de cada linguagem e o que desperta seu processo criativo.
SP-Arte: Como a arte transforma sua rotina?
Jonathas de Andrade: A possibilidade da coisa mais vulgar, mais besta, leve ou não, que você esteja vendo ou vivendo agora ou no próximo minuto possa se transformar na coisa mais significativa, transformadora, guiando o compasso do seu sentir e agir logo em seguida.
SP-Arte: Quando decidiu que seu caminho se daria pela arte?
JA: Sempre tive uma sensação de que eu queria ser artista, mas não entendia muito bem como isso iria se manifestar. Passei a infância tentando me aproximar da arte no que era apresentado como tal na minha infância em Maceió – escultura, pintura, cênicas – mas nada dava muito certo. Acabei estudando Direito e deixando o curso pela metade. Mas foi lá que me aproximei de um pensamento sobre sociedade, criminologia, marxismo, a invenção do Estado como instrumento de classe. Fui experimentar com fotografia e me aproximei do cinema, achei que ali tinha um caminho. Na faculdade de Comunicação Social, encontrei um grupo de amigos com interesses diversos em arte, numa cidade infernal e caótica que me trouxe muita inspiração, o Recife. Com esses amigos, me entendi artista e fiz meus primeiros projetos, misturando vários caminhos, interesses e estratégias. A arte contemporânea parecia oferecer uma liberdade para inventar e me reinventar. Cada vez mais, experimentei uma sensação que eu não poderia parar de fazer isso nunca mais.
SP-Arte: Você já realizou trabalhos em foto, tela, vídeo… De que forma você maneja todas essas linguagens, e como pensa cada plataforma – o tema o leva a cada uma delas, ou você parte da plataforma?
JA: Cada projeto pede uma maneira de existir. A fotografia é uma ferramenta com que tenho bastante intimidade, que funciona como ponto de partida e, frequentemente, me leva a instalações onde várias imagens contam uma história, combinadas com documentos e textos. Foi assim em “40 nego bom é um real”, em que várias fotografias viraram serigrafias sobre placas de madeira. O vídeo é também um campo vasto em que encontro muita possibilidade de trabalho, também pelo meu interesse pelo cinema. Projetos como “4000 disparos”, “O caseiro” e “O peixe” já nascem com uma vocação para existir como filme. A estrutura repetida na narrativa da imagem em movimento parece convidar para uma espécie de hipnose que afina e desafia a forma ao mesmo tempo. Já outros projetos tomaram caminhos mais escultóricos, como a série de placas de concreto “Posicionamentos-monumentos”, ou “Nostalgia, sentimento de classe”, reprodução de um painel modernista em ruínas, com peças coloridas de fibra de vidro, que combina textos de arquitetura com um fôlego político.
SP-Arte: De que maneira você desperta seus métodos criativos?
JA: Coleciono livros, objetos, peças de descarte e principalmente ideias e observações do dia a dia. Convivo com elas por um tempo, às vezes por anos, até que um momento elas se tornam mais urgentes e acabam pedindo existência. As conversas e as relações com os amigos também são combustível fundamental do meu pensamento e da minha vontade de fazer. Contar e recontar uma ideia, um pensamento e uma história fazem da fala um grande trabalho em ateliê sensorial. E é nesse transe da troca que vem os rascunhos, as articulações entre documento e ficção, a força da ambiguidade, da contradição, do desejo, e as milhares de maneiras que esses interesses podem se articular e se manifestar.
SP-Arte: Temas sociais estão sempre presentes na sua obra. Você acha que todo artista é, de certa maneira, um agente político?
JA: A arte tem uma dimensão política, sim, seja ela intencional ou não. Para mim, meus projetos me colocam em contato direto – muitas vezes, em confronto – com aquilo que me é urgente, que me toca em profundidade, que me seduz e me amedronta. Vivemos num mundo de privilegiados e desprivilegiados e aprendemos a tomar isso como algo dado, a separação em classe, em riqueza e pobreza. É algo muito desconcertante, ao mesmo tempo que é absolutamente naturalizado socialmente. Entendo meu trabalho como um mergulho nessas contradições e um experimento de aproximação a outras pessoas. Ao fazer isso, acabo colocando em xeque minha própria perspectiva. Foi assim em projetos como “Educação para adultos”, quando me aproximei de um grupo de mulheres analfabetas com uma conversa que levava adiante uma experiência com a metodologia radical de Paulo Freire. O projeto foi me engolindo na medida em que as relações iam se desenvolvendo de maneira pessoal e transformadora, me fez entender porque a própria metodologia é tida como revolucionária. Entendo minha posição menos como ativista, e mais como um experimentador que mergulha em sensações sociais que sacodem questões para todos os lados. Me interessa escutar e colher o que surge a partir daí.
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