Entre o cotidiano e o ritualístico, bancos indígenas de povos do Xingu são destaque no design autoral brasileiro; Saiba mais!

22 jul 2019, 17h43

Os povos indígenas brasileiros resistem através de sua arte. As categorias “primitiva” ou “naif” são insuficientes e até preconceituosas para se classificar toda a sorte de objetos, artefatos, cerâmicas, tecelagens e pinturas produzidas pelas culturas dos povos originários do país. Se tantas técnicas e saberes tradicionais suportaram as influências do homem branco, preservando-se e atualizando-se ao longo de tantas gerações, por que não entender tais expressões como contemporâneas? É sob essa perspectiva que a Coleção BEĨ promove mundo afora uma vasta coleção de bancos indígenas de povos do alto e baixo Xingu, além de outras regiões do Centro-Oeste e do Norte do país. São peças que estabelecem um diálogo entre elementos da tradição e a liberdade da criação autoral. 

Neste ano, a Coleção passou a atuar também como apoiadora de aldeias específicas, conectando-as com o mercado especializado em centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo Tomas Alvim, um dos curadores da coleção, o novo modelo foi disruptivo para os indígenas, transformando a distribuição que eles conheciam e praticavam. Na SP-Arte 2019, por exemplo, representantes das etnias Kamayurá, Mehinaku Waujá estiveram presente para comercializar diretamente suas criações e saíram surpreendidos: todas as peças foram levadas antes do fim! Algumas das peças estão agora disponíveis em nossa plataforma digital.


Os bancos

Os bancos indígenas representam valores e desempenham funções que escapam do glossário artístico herdado do pensamento Europeu. A maneira como entendemos e diferenciamos determinadas produções materiais de um povo como arte ou design (ou ainda entre objeto de culto e objeto de uso, belo e útil…) não dá conta de assimilar as distintas dimensões que essas peças possuem simultaneamente dentro de suas comunidades. Esculpidos sempre a partir de um único tronco de madeira, sem juntas ou emendas, os bancos assumem a forma de animais da fauna brasileira e de entidades míticas. Como muitos dos outros objetos rituais indígenas, fazer o banco é tão importante quanto usá-lo. Os tamanhos e as formas servem de marcadores sociais. São decorados com grafismos, pinturas que se referem a animais, num universo de expressões visuais que muitas vezes se revelam através de sonhos e transes.

A diversidade e o repertório comum do complexo cultural alto-xinguano, composto por nove etnias, é representado pelos Kamayurá (da aldeia Morená), Mehinaku (das aldeias Kaupuna e Utawana) e Waujá (da aldeia Piyulaga). Entre os animais mais representados nos bancos tradicionais dos Mehinaku, chamados xepí, estão o tamanduá (yúper), a anta (teme), a onça (ianumaka) e os pássaros (warapapá), decorados com pigmentos naturais retirados do pequi (amarelo), do urucum, da madeira mãwatan (vermelho), da madeira iurilo e do carvão (preto). Os Wauja são bastante conhecidos por sua milenar cerâmica, sendo responsáveis pelo fornecimento de potes e assadores para todos os grupos que habitam o Alto Xingu. Seus bancos de madeira seguem uma estética semelhante à das vasilhas de cerâmica em forma de animais, tendo de cada lado do assento a cabeça e cauda da espécie representada.


Do Xingu para o mundo

Artistas dessas três etnias participaram, em 2018, da exposição “Bancos indígenas do Brasil”, realizada no Pavilhão Japonês no Parque do Ibirapuera, e da exposição “Bancos dos povos indígenas brasileiros: imaginação humana e vida na selva” no Museu de Arte Teien, em Tóquio. Nas duas cidades, as exposições receberam cerca de 60 mil visitantes. Por conta disso, os artistas Apahu Waurá, Mayawari Mekinaku e Kapisi Kamayurá, representando seus respectivos povos, receberam uma homenagem especial no 3º Prêmio Casa Vogue Design, em 2019, reconhecidos pelo pioneirismo e as origens do design autoral brasileiro.

A renda gerada pela venda de artesanato raramente se constitui na principal fonte de recursos de qualquer comunidade indígena, mas vem sendo mantida entre muitos povos por também propiciar uma atividade agregadora, coletiva e de salvaguarda de conhecimentos tradicionais. Em um extenso ensaio publicado no site da coleção, a especialista Cristiana Barreto, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, aborda detalhadamente as origens e alguns aspectos ritualísticos que distinguem os bancos indígenas. E também escreve: “trazer à luz esta produção artesanal é fazer com que os bancos continuem a exercer seu papel de simbolizar a determinação dos povos indígenas em preservar suas identidades perante a complexa dinâmica de sua inserção na sociedade nacional”.


Luiz Zerbini
“Elogio à Sombra 1, Elogio à Sombra 2”

Fotogravuras impressas em papel hahnemühle 300g, 100% algodão
Obras em papel: 41.34 x 30.71 inches: 105 x 78 cm

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