Francisca Benedetti, “Rojo horizontal”, 2020 (detalhe). Cortesia: Artespacio.
SP–Arte Viewing Room

O silêncio eterno dos espaços infinitos

Alexia Tala
30 ago 2020, 9h19

Pessoas que choram diante de minhas pinturas vivenciam
a mesma experiência religiosa que senti ao
pintá-las. E se você, como você disse,
é atraído apenas por suas relações de cor,
então o decisivo lhe escapa.

Mark Rothko

Acima: Francisca Benedetti, “Rojo horizontal”, 2020 (detalhe). Cortesia: Artespacio.

"Horizonte Borroso 4" Acrílico sobre papel 76 x 106 cm
"Horizonte Borroso 2" Acrílico sobre papel 76 x 106 cm

"Horizonte Borroso 4"
Acrílico sobre papel
76 x 106 cm

"Horizonte Borroso 2"
Acrílico sobre papel
76 x 106 cm

A obra de Francisca Benedetti é conhecida pela sua laboriosa e delicada pintura geométrica, nas quais a forma prevalece sobre a cor e a geometria cria a estrutura. São geometrias repetitivas, triângulos, quadrados, hexágonos, etc. que são duplicados e triplicados, que adotam novas formas dentro de um padrão, remetem à formas do Oriente Médio, abstraídas de suas fortes cores características e que nos levam a uma interpretação global, porém atemporal, da experiência de suas obras.

É interessante refletir sobre seu processo criativo, que consiste em uma série de atos de azar, um processo íntimo que, embora se desenvolva organicamente, tem uma certa lógica. Começa pintando de baixo para cima e depois de cima para baixo e progride das duas formas sem um percurso previamente definido, aplicando a tinta, que varia em seus tons ao longo do tempo, já que a artista a deixa decantar sem mexer, e isso muda a cor, a tonalidade e sua sensibilidade, harmonizando de forma muito sutil e resultando em uma espécie de teia colorida quase invisível.

As pinturas da série Horizontes Borrosos [Horizontes borrados] erradicam todas as formas e trocam a geometria pela pureza da cor, aplicada em camadas infinitas de cores que se misturam horizontal ou verticalmente sem bordas delimitadas, e, com um pulso rítmico, convidam a experiência sublime de contemplação. O borrado, sem dúvida, acentua a sensação de infinito, e o infinito é um espaço aberto, atemporal e silencioso. Como diria Kant, “o sublime tem que ser simples; o belo pode ser adornado”.

"Ascesis 2" Aquarela e lápis grafite sobre papel 120 x 80 cm
"Ascesis 1" Aquarela e lápis grafite sobre papel 120 x 80 cm

"Ascesis 2"
Aquarela e lápis grafite sobre papel
120 x 80 cm

"Ascesis 1"
Aquarela e lápis grafite sobre papel
120 x 80 cm

Francisca Benedetti, “Rojo y naranja vertical”, 2020. Cortesia: Artespacio.

Francisca Benedetti, “Rojo y naranja vertical”, 2020. Cortesia: Artespacio.

A artista consegue, para além do pictórico, evocar uma paisagem com uma atmosfera silenciosa de solidão. As suas pinturas são altamente pessoais e poéticas, são respostas meditativas à experiência da existência no mundo. Têm a capacidade de evocar um estado de contemplação melancólica no espectador por meio do uso da cor, cor sem forma, e abstração pensada como ausência de forma, bem como os campos de cor do expressionismo abstrato que rejeitam tudo exceto a cor, como as pinturas de Mark Rothko. Também podemos relacionar o trabalho de Benedetti com as instalações de iluminação de James Turrell, que exploram o espaço e a luz colorida, ou os filmes de Tacita Dean que se detêm no tempo sem medo da espera (pôr do sol em Berlim) ou as explorações tecnológicas de Mariko Mori para criar experiências holísticas.

Assim como suas pinturas evocam uma abstração da paisagem, elas são também o reflexo de um estado recente de sua vida, tanto físico quanto emocional, que tem a ver com os meses de espera pelo nascimento de sua filha – a forma que suas obras são encontros espaço-temporais, que denotam uma mudança de luz, onde o caráter transitório se acentua e o tempo se torna presente, como se o que está diante de nós pudesse continuar a se transformar, como ao observar a mutação do céu ao pôr do sol da janela de um avião. Nesse espaço ilusionista, metafísico, o acima e o abaixo fluem, o céu possível, a terra possível, onde o sonho assume a obra pela ausência de volume e forma e pela presença do vazio, onde o silêncio eterno desses espaços infinitos, como diria Blaise Pascal, são avassaladores.


alexia

Alexia Tala é curadora independente e diretora artística da Plataforma Atacama, Alexia Tala é especializada na pesquisa da arte latino-americana. Mais recentemente, se dedicou à curadoria geral da Bienal de Arte Paiz de 2020, na Guatemala, e à publicação de uma monografia sobre a chilena Lotty Rosenfeld. Foi co-curadora da 8ª Bienal do Mercosul – Ensaios de geopoética e da 4ª Trienal Poligráfica de San Juan de Puerto Rico, na 20ª Bienal de Arte Paiz da Guatemala. Escreve também para publicações de arte na América Latina e no Reino Unido, além de ser autora de “Installations and Experimental Printmaking” (UK, 2009). É responsável pela curadoria do setor Solo, na próxima SP-Arte.

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