Editorial
O curador e artista Daniel Lima discute o papel e a presença do negro nas artes plásticas
22 nov 2017, 15h59
“Onde estão os negros?” é a pergunta impressa em um enorme tecido branco fixado no alto do prédio projetado por Lina Bo Bardi onde funciona o Sesc Pompeia. A bandeira é um dos símbolos da Frente 3 de Fevereiro, importante movimento articulado no debate sobre o racismo no Brasil. A pergunta está ao alcance de todos, mas é atrás da resposta para ela que está em cartaz a mostra “Agora somos todxs negrxs?”, no Galpão do Videobrasil, na Vila Leopoldina. Na semana em que se celebra o Dia da Consciência Negra, ganham ainda mais urgência os temas abordados pela mostra, que tem seu nome inspirado em um artigo da Constituição Haitiana, de 1805, quando pela primeira e única vez, uma rebelião negra tomou o poder de um país nas Américas. O curador da mostra, Daniel Lima, foi convidado pela SP-Arte para uma conversa sobre a presença do negro nas artes plásticas. Confira a entrevista:
SP-Arte – A contribuição do negro nas artes brasileiras ainda é muito mais associada à música. O quanto as artes plásticas ainda são um território a ser conquistado?
Daniel Lima – Entre todas as linguagens artísticas, talvez seja a mais eurocêntrica. (…) Essa perspectiva branca constituída a partir da Europa constitui praticamente toda a história das artes plásticas ocidentais. O que a gente propõe com a perspectiva negra é uma nova forma de entender a própria história, não só das artes visuais, mas da própria humanidade. Por exemplo, na Tate Modern, em Londres, tem uma time line, onde você vê um painel com os artistas que compõem a modernidade. Dentre estes artistas, quase não existe representação da América do Sul, América Central, Ásia e África.
É impossível contar a história da música dos séculos XX e XXI, sem a música africana, a música caribenha, brasileira, asiática. No cinema, como contar sua história sem incluir o cinema japonês, iraniano, argentino, cubano… Agora nas artes visuais a gente tem uma representação de mundo construída a partir da única perspectiva, quase que totalmente centrada na Europa e nos EUA. Pensar a presença do negro nas artes visuais é repensar a própria reconstituição da história das artes visuais.(…)
SP – Para o ano que vem o Masp já confirmou que sua grande mostra deve ser Histórias Afro-Atlânticas. A intenção é debater a diáspora africana e o seu papel nas culturas do Brasil, Caribe e EUA. Apesar deste tipo de programação, sempre fomos carentes de expor estas histórias. Somos um país que até hoje fechou os olhos para a influência africana sobre nossa cultura?
DL – Nós vivemos a maior escravidão de toda a modernidade. Cerca de metade dos negros escravizados da África vieram para o Brasil, coisificados como mercadoria. Esse processo de invisibilização da influência cultural começa quando retiramos esse papel de construção cultural do ser humano. (…) O estereótipo que se constrói no Brasil é de uma democracia racial que teria uma influência negra.
Então, o Brasil fecha os olhos para o que não é esse estereótipo. A bandeira da Frente 3 de Fevereiro, que está na exposição, questiona onde estão os negros. Ou seja, qual é o papel da cultura negra nessa sociedade, qual é o papel que foi delegado enquanto estereótipo, e qual é o papel que a gente pode enxergar fora deste estereótipo.
SP – Um estudo concluído esse ano por uma universidade norte-americana sobre a presença de negros representados pelas galerias revela que, nos EUA, 88,1% dos artistas representados pelas principais galerias são brancos. No Brasil, o mesmo estudo foi reproduzido. Apenas 2,5% dos artistas representados são negros. Além de termos menos artistas plásticos negros do que brancos, existe também uma dificuldade de acesso ao meio?
DL – Sim, claro. Primeiro, o campo das artes visuais hoje em dia é totalmente atrelado à formação acadêmica. O acesso a essa formação está diretamente ligado à quantidade de artistas negros que a gente vai ter. E estatisticamente a presença dos negros nas universidades também é baixíssima. Mas tem um outro campo, talvez mais sutil, mais micropolítico de entendimento que é o quanto essa arte contemporânea representa o jovem negro que está em formação. Ou seja, o quanto isso reverbera na sua cultura. Na música existe essa correspondência. O jovem se sente representado acredita que é um espaço de atuação, de empoderamento. Nas artes visuais isso acontece muito menos. (…) O fantástico é que apesar disso tudo estamos mudando, estamos em uma sociedade em transformação. A presença que os artistas têm hoje nas grandes exposições representando o Brasil cresce e isso gera um ciclo virtuoso em que novos artistas encontram nos já consolidados um poder e um caminho para falar da sua perspectiva negra.
SP – Já existem planos para estender a programação do Agora somos todxs negrxs? para os próximos anos?
Sim, existem planos de continuar esse programa dentro do Video Brasil. No próximo ano lançando junto com o Cadernos do Vídeobrasil, aí com uma reflexão mais verticalizada e mais teórica sobre essa produção. Tem uma característica muito interessante que está colocada na exposição, que grande parte dos artistas também escreve sobre a sua produção. Também estamos negociando a itinerância da exposição para museus de outras cidades, como Vitória, Recife e Rio de Janeiro.
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