Editorial
Lista
Muito além de Veneza: outras bienais que acontecem pelo mundo
Giovana Christ
25 nov 2019, 15h29
Uma bienal, no sentido literal da palavra, é qualquer evento que aconteça com intervalo de dois anos entre cada edição. Mas é claro que não falaremos de qualquer tipo de evento. Bienal, para a maioria das pessoas que possuem contato com as artes visuais, são acontecimentos históricos que, de forma geral, tem como finalidade refletir o que está acontecendo no mundo da arte contemporânea.
Tudo começou em Veneza, em 1895, quando a primeira edição tomou a cidade italiana. A mostra, que hoje é considerada a mais importante do mundo, foi criada para oficializar um espaço de confluência, comparação e debates sobre a arte do presente, produzida ao redor do mundo. É comum ver a metáfora de que a Bienal de Veneza chegou ao mundo como os “jogos olímpicos das artes”. Hoje em dia, as Bienais assumem um papel político e estão presentes em diversos países do mundo.
Aqui, não falaremos das tradicionais mostras de Veneza e de São Paulo. Aproveite para saber mais sobre outras Bienais que acontecem ao redor do mundo.
Acima: "Circa" (2018), Anna Bella Geiger (Foto: Mendes Wood DM / Divulgação)
Bienal de Sydney (Austrália)
Sua primeira edição foi em comemoração à abertura do Sydney Opera House, prédio mundialmente famoso pela sua arquitetura curvada em formato de conchas. Desde 1973, o evento teve 21 edições e apresentou o trabalho de mais de 1800 artistas de cem países do mundo, sendo a primeira exposição deste tipo a ser estabelecida na região Ásia-Pacífico.
Sua 22ª edição, “NIRIN”, acontecerá de 14 de março a 8 de junho de 2020, em seis locais de Sydney. A Bienal terá como objetivo expor questões da vida contemporânea que causam ansiedade e estado de pânico nas pessoas, mostrando como a arte tem o poder de resolver esses problemas e imaginar futuros melhores. O curador da vez, Brook Andrew, é um artista australiano que constantemente lida com a relação entre colonialismo e a história moderna.
Dois brasileiros participarão da Bienal de 2020: Jota Mombaça, artista trans não-binária que escreve, performa e faz estudos acadêmicos sobre diversos debates sociais; e Paulo Nazareth (Mendes Wood DM), artista produtor de performances e instalações que buscam raízes em suas origens africanas e indígenas e já rodaram o mundo por diversas bienais.
Bienal de Sharjah (Emirados Árabes Unidos)
Organizada pela Sharjah Art Foundation, a Bienal existe desde 1993 e procura abranger manifestações artísticas como instalações, performances e filmes de várias partes do mundo.
A 14ª Bienal de Sharjah tratou sobre o “echo chamber [câmara de eco]”, apelido para os circuitos de mídia e feeds de notícias que são controlados por iniciativas privadas e resultam em uma manipulação do público. “Leaving the echo chamber [Saindo da câmara de eco]”, tema do evento, não propõe uma saída para esse circuito restrito de informações, e sim, formas de usá-lo a favor de seus espectadores.
A mostra de 2019 foi curada por Zoe Butt, Omar Kholeif e Claire Tancons, e dividida em três exposições, uma por curador. A de Tancons inclui duas artistas brasileiras: Aline Baiana e Laura Lima (Luisa Strina e A Gentil Carioca). Ambas levaram instalações inéditas para a Bienal, Baiana fazendo um paralelo entre as construções de barragens no Brasil e no Líbano, e Lima inspirada na vestimenta das mulheres muçulmanas.
A próxima Bienal, em 2021, contará com um projeto inicialmente concebido pelo curador nigeriano Okwui Enwezor, um dos pensadores mais importantes da arte decolonial que faleceu este ano.
Bienal de Gwangju (Coréia do Sul)
Preparando sua 13ª edição para 2020, a exposição nasceu em 1995 já com um artista brasileiro: Guto Lacaz (Marcelo Guarnieri), com a instalação “Cosmo – Um passeio no infinito”.
Na 12ª edição, em 2018, Gwangju usou o tema “Fronteiras imaginadas” para propor uma discussão sobre o conceito de fronteiras nos âmbitos políticos, culturais, físicos e emocionais na comunidade global atual. A exposição foi curada por uma equipe de onze críticos de arte, decisão justificada pela organização como um meio de “garantir que várias vozes e perspectivas sejam incluídas”.
De artistas brasileiros, foram expostas obras de Lais Myrrha (SIM Galeria), Mauro Restiffe (Fortes D’Aloia & Gabriel) e Clarissa Tossin (Luisa Strina). Myrrha foi apresentada com um estudo de caso do Palácio da Alvorada, em Brasília, em que reproduziu um de seus icônicos pilares através de uma estrutura frágil, provocando um debate sobre as histórias coloniais que respaldaram o modernismo brasileiro.
Restiffe foi à Bienal com a série de fotografias “Empossamento” (2003), imagens feitas em Brasília durante a posse do presidente Lula, enquadrando o Palácio da Alvorada com a multidão presente no evento. Na série “Tlatelolco” (2010), o artista retratou o Conjunto Urbano Nonoalco Tlatelolco, um dos maiores complexos habitacionais do México, projetado pelo arquiteto Mario Pani e palco de um massacre violento em 1968.
Por último, Tossin usou imagens do Eixo Monumental de Brasília produzidas por satélite para construir “Brasília by Foot” (2009), gerando trilhas de pegadas na via principal da cidade. E, em “Monument to Sacolândia” (2013), a artista expôs um saco de cimento para problematizar os assentamentos informais habitados pelos milhares de trabalhadores que migraram durante a construção da cidade.
Bienal de Istambul (Turquia)
A edição de 2019 da Bienal de Istambul tratou do tema “O sétimo continente”, nome da enorme massa de resíduos oficializada como uma formação na era geológica mais recente, caracterizada pelo impacto das atividades humanas sobre o planeta. A exposição foi curada por Nicolas Bourriaud, crítico francês defensor da teoria da estética relacional na arte.
Este ano, o evento contou com três brasileiros: Glauco Rodrigues, Jonathas de Andrade (Vermelho) e Anna Bella Geiger (Mendes Wood DM). O primeiro foi representado por sua obra “Visão de terra” (1977), pintura que pode ser interpretada como uma representação da liderança política e uma crítica ao poder branco.
Já o alagoano Jonathas de Andrade apresentou “O peixe” (2016), obra comissionada pela 32ª Bienal de São Paulo. Seus trabalhos falam sobre assuntos como colonialismo, criação de mitos e, claro, a natureza. Geiger mostrou a instalação “Circa” (2006), representando um sítio arqueológico para questionar a possibilidade de distorção da história dependendo de sua intenção.
A Bienal de Istambul acontece desde 1987, organizada pela İstanbul Kültür Sanat Vakfı, uma instituição cultural sem fins lucrativos que também produz os festivais anuais de filme, música, jazz, design e teatro da cidade.
Bienal de Liverpool (Inglaterra)
Segundo a própria organização, a Bienal de Liverpool é o maior festival de arte contemporânea do Reino Unido. Foi fundada pela Arts Council England, iniciativa pública, e pela prefeitura da cidade de Liverpool, fazendo o evento acontecer desde 1999.
Em 2020, a 11ª edição da exposição tem como objetivo explorar as noções de corpo humano e como ele se molda dependendo do ambiente em que está. Nomeada “O estômago e o porto”, a Bienal foi curada por Manuela Moscoso, equatoriana curadora do Museo Tamayo (Cidade do México) e da 12ª Bienal de Cuenca (Equador).
De brasileiros, na próxima edição, marcará presença Sonia Gomes (Mendes Wood DM), artista de Minas Gerais participante da 56ª Bienal de Veneza. Gomes trabalha com esculturas e instalações feitas de diferentes materiais como arame, móveis e tecidos.
Também exposto em Liverpool, o artista Jorge Menna Barreto, do interior paulista, trabalha pautando a agrossilvicultura, prática de plantio de árvores em conjunto com culturas agrícolas para melhorar o aproveitamento dos recursos naturais e a produção de alimentos. Com esse foco, Barreto produz obras que consideram o sistema digestivo como uma ferramenta para produzir esculturas que moldam nosso ambiente.
Bienal de Arte Paiz (Guatemala)
Segunda mais antiga da América Latina, a Bienal de Arte Paiz se orgulha de ter cumprido todas as suas edições mesmo em situações de guerra e repressão na Guatemala. Vale lembrar que em 2018 o país sofreu com a erupção de três vulcões, resultando em centenas de mortes e a destruição de muitas casas na Cidade da Guatemala, onde o evento é realizado. A próxima edição do evento, em 2020, contará com curadoria da chinela Alexia Tala, à frente do setor Solo na SP-Arte 2019.
A 21ª edição, realizada em 2018, não foi pautada por nenhum tema específico, considerando que eventos temáticos muitas vezes manipulam o discurso da obra para se encaixar com o argumento proposto. Gerardo Mosquera, cubano organizador da primeira Bienal de Havana, em 1984, e ex-curador do New Museum of Contemporary Art, em Nova York, diz, no site do evento, que isso “propõe um modelo bienal que me parece apropriado com a situação na Guatemala e com a evolução da Bienal de Arte Paiz como um evento vivo”.
De brasileiro na edição, Mosquera selecionou Cildo Meireles (Luisa Strina), artista que propõe obras sinestésicas, usando mais de um dos sentidos humanos para criar uma experiência significativa ao espectador. Na Bienal, Meirelles expôs peças da série “Inserções em circuitos ideológicos” (1970-1975), na qual imprimia frases consideradas subversivas em cédulas de dinheiro e garrafas de coca-cola e os devolvia ao mercado, criando um movimento difícil de ser censurado pela ditadura brasileira.
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