Editorial
Opinião
Evoluímos, mas ainda há trabalho a fazer
Carollina Lauriano
19 mar 2019, 16h29
A partir do Censo Demográfico 2010, as estatísticas disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostram que 51,03% da população brasileira é compostas por mulheres. Ainda segundo as pesquisas do IBGE, entre 2012 e 2016, o número de brasileiros que se autodeclararam pretos aumentou para 14,9% – contra 7,4% declarados na pesquisa anterior divulgada pelo instituto. Somando a 46,7% da população que se declara parda, a população brasileira é formada, em sua maioria, por mulheres e pessoas não-brancas.
Trazendo essa realidade para o campo da arte, embora a maioria das exposições sejam protagonizadas por homens brancos e os números pareçam desanimadores, é possível observar que evoluímos bastante nos últimos anos. Em 2018, exposições dedicadas a discutir temáticas de gênero e raça formaram grande parte da grade de programação de instituições maiores e espaços independentes da cidade de São Paulo.
Vejo esse impulso pela diversidade e equidade não apenas uma questão de agenda, mas como parte essencial da criação de espaços que acolham as mudanças sociais e culturais contemporâneas. É também uma forma de tratar instituições de arte como modelos para uma sociedade mais inclusiva e pluralista, em especial durante este momento de turbulência política no qual o país se encontra.
Acima: "Brinquedo de furar moletom" (2018), Jaime Lauriano (Foto: Cortesia Galeria Leme/AD / Rafael Adorján)
Nesse sentido, é importante pensar também como tais questões se aplicam na SP-Arte e como uma feira de arte absorve essas demandas em um âmbito comercial. Observando a lista de artistas participantes dos setores curatoriais desta edição, percebo uma mudança significativa nos artistas anunciados: seguindo a mesma direção do cenário artístico, elas estão cada vez mais diversas em questões de gênero e raça. Mulheres já são quase metade dos selecionados, mas o número cai drasticamente para a quantidade de mulheres negras: em torno de 1%. Os artistas negros, embora estejam contemplados, também são minoria.
Não é de hoje que essas demandas têm sido absorvidas pelo mercado. Em 2018, a curadora Paula Garcia selecionou cinco performances de longa duração para ocupar o setor Performances durante a SP-Arte. Ao adentrar o espaço, mais do que um equilíbrio entre gênero e raça, percebia-se uma tentativa – liderada pelo Brechó Replay – de enegrecimento e evidenciamento das minorias dentro do espaço da Feira, mesmo que concentrada na área destinada ao setor.
Para que mais artistas das ditas “minorias majoritárias” se insiram cada vez mais no circuito é preciso que toda indústria continue se repensando, dia após dia, pois tais mudanças exigem esforços sistêmicos que envolvem toda a cadeia da arte, do institucional ao comercial.
Atentas a essas demandas, tanto a SP-Arte quanto as galerias têm pensado estratégias inclusivas. Um dos esforços comerciais da Feira é promover a conscientização e dar protagonismo para arte fora do eixo branco-eurocêntrico: Bianca Leite e Ana Beatriz Almeida conduzem visitas guiadas com roteiros focados em artistas afrodescendentes. Já as galerias, ainda que poucas, trazem artistas negros como destaques de seus estandes. A Gentil Carioca apresenta Arjan Martins e Maxwell Alexandre; Mendes Wood DM virá com Sônia Gomes, Paulo Nazareth e Antônio Obá – que à época da Feira ganha exposição individual na galeria –, e a Leme/AD traz trabalhos derivados das últimas pesquisas e exposições de Jaime Lauriano, que também participa do setor Performance.
Estas ações, mesmo que pequenas dentro de todo contexto do mercado, evidencia que evoluímos, mas ainda há muito trabalho a fazer. Então, para além da inclusão de artistas em instituições e no mercado, precisamos pensar em mulheres e negros em cargos de liderança e decisão, pois de nada adianta abordarmos tais temáticas nas exposições e isso não se refletir nas estruturas internas destes locais. E aqui falo sobre a abertura de cargos como os de curadores-chefe e diretores, pois negros e mulheres já são força atuante no mercado, mas quais cargos ainda ocupam?
Sabemos que o problema é estrutural e percorre caminhos da economia à base do sistema de educação. Mas a passos longos estamos mudando. A própria SP-Arte têm se atentado em minimizar tais questões ao longo das edições. Nesta edição, a própria escolha da curadora Alexia Tala já é uma tentativa de descentralização de um pensamento curatorial branco-eurocentrado. Hélio Menezes, Lilia Schwarcz e Diane Lima participam do Talks com a mesa “Novas narrativas curatoriais no Brasil”, para falar sobre suas experiências curatoriais na exposição Histórias Afro-Atlânticas (MASP e Instituto Tomie Ohtake, 2018) e Valongo, Festival Internacional da Imagem (2018), respectivamente. E quem sabe nos próximos anos não possamos ver curadorxs negros assumindo também setores da Feira, e a quantidade de artistas de minorias ocupando cada vez mais espaços de destaque.
*Este texto faz parte de uma série de colunas publicadas no site da SP-Arte. As opiniões veiculadas nos artigos de autores convidados não refletem necessariamente a opinião da instituição.
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