“Pé de meia” (2020), Debora Bolsoni.
Na internet

Em prol dos artistas

Felipe Molitor
22 mai 2020, 18h09

O isolamento social forçado, em escala global, como sabemos e repetimos, tem impactado o mundo da arte em particular. Seja qual for sua duração, os freios puxados que configuram o atual contexto têm servido para recolocar no centro da mesa algumas reflexões deixadas sempre para depois diante da frenética agenda de feiras e exposições em que artistas, curadores, galeristas e colecionadores estavam submetidos. Neste sentido, um dos debates que emerge agora com força, tanto através de artigos em revistas especializadas quanto no calor das redes sociais, é sobre a economia da arte: apesar das grandes cifras que giram em nosso meio quando se trata da circulação de obras, muitos artistas se sentem precarizados, a despeito de serem essenciais para a cadeia de produção.

O projeto Quarantine, organizado pelas artistas Lais Myrrha e Marilá Dardot, pela curadora Cristiana Tejo e a diretora do 55sp, Julia Morelli, é uma das iniciativas que, somente por sua atuação experimental, tem provocado um burburinho importante sobre as condições nas quais o artista consegue trabalhar e se sustentar durante a quarentena, para além da representação comercial das galerias que apenas alguns possuem. “Precisamos encontrar meios e ações mais distributivas para que possamos atravessar esse momento de modo menos traumático. O sistema da arte poderia fornecer modelos novos, inventivos e mais justos”, diz Lais Myrrha para o editorial da SP-Arte.

Acima: “Pé de meia” (2020), Debora Bolsoni.

“Descabelada” (2020), de Lenora de Barros. Técnica: Impressão jato de tinta sobre papel.

“Descabelada” (2020), de Lenora de Barros. Técnica: Impressão jato de tinta sobre papel.

Seguindo um formato cooperativo, o mote da iniciativa é simples: quarenta e cinco artistas, de diferentes regiões do país e fases de carreira, vendem obras inéditas pelo preço fixo de 5 mil reais, sendo que o valor arrecadado é distribuído igualmente entre os participantes. Quem compra deve montar o trabalho, que só é revelado após a compra. Segundo as organizadoras, desde o lançamento, em meados de abril, o projeto tem tido uma recepção positiva entre os artistas e pesquisadores e surpreendeu ao vender quase metade das cotas – vale notar que a maioria das compras foi realizada por colecionadoras – mesmo com pouca interlocução com galerias para o experimento.

“Labirinto” (2020), de Guto Lacaz. Técnica: Apropriação de imagem / arte digital.

“Labirinto” (2020), de Guto Lacaz. Técnica: Apropriação de imagem / arte digital.

Para Myrrha, a empreitada toda já é, em si mesma, uma espécie de trabalho artístico, ao retirar do foco a questão qualitativa ou a autoria do trabalho. Uma das mudanças que aconteceu no meio do caminho foi a revelação, via redes sociais, de quais os trabalhos vendidos. “A compra ‘cega’ foi, e ainda é, um ponto que discutimos. Para nós, essa decisão é uma forma de marcar que, antes de pensarmos neste ou naquele trabalho individualmente, estamos colocando o olhar em repouso para afirmar uma espécie de laço que se enfraqueceu nas últimas décadas pelo excesso de mediações que é a relação colecionador e artista. Considerando a ausência de políticas públicas para a arte no atual governo federal, a fragilidade e escassez de instituições dedicadas à arte, acreditamos que as/os colecionadores/as podem ter um papel determinante nas ações de suporte aos artistas. Claro que aí podem haver muitas críticas, mas temos que olhar para o que se apresenta como caminho viável e factível agora, para podermos imaginar e desenhar novos cenários e caminhos”, explica a artista. Como estímulo para jovens colecionadores e ampliar o acesso à aquisição para quem deseja contribuir, o projeto Quarantine lançará trabalhos de arte com uma edição de cinco peças pelo valor de mil reais cada.

“Perguntas Apropriadas” (2020), de Marilá Dardot. Técnica: colagem / impressão digital.
PerguntasApropriadas2@MarilaDardot

“Perguntas Apropriadas” (2020), de Marilá Dardot. Técnica: colagem / impressão digital.

“ENTRE MUNDOS” (2020), de Cinthia Marcelle e Diran Castro. Técnica: Proposição.

“ENTRE MUNDOS” (2020), de Cinthia Marcelle e Diran Castro. Técnica: Proposição.

"Perdendo Você" (2020), de Laercio Redondo.
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"Perdendo Você" (2020), de Laercio Redondo.

Há um desejo das organizadoras de que a iniciativa possa ser ampliada e replicada por outras pessoas que sintam vontade de pensar em modelos cooperativos, como uma garrafa lançada no mar. “Há artistas que participam mais ativamente e outros menos, mas o importante agora é respeitarmos os momentos de cada um e seguirmos em direção de algo comum. (…) Nossa pergunta de base é, quando se retira a dimensão do espetáculo, quem permanece ao lado dos artistas?”

“Lastros Imiscíveis” (2020), de Lais Myrrha. Técnica: moedas, copo de vidro, água e contemplação.

“Lastros Imiscíveis” (2020), de Lais Myrrha. Técnica: moedas, copo de vidro, água e contemplação.

Para conhecer outras informações e saber como ajudar o projeto Quarantine, acesse aqui.


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Felipe Molitor é jornalista e crítico de arte, parte da equipe editorial da SP–Arte.

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