Editorial
Instituições #1
MAM-SP e MAC-USP são os personagens do segundo texto de um especial sobre as instituições paulistanas de arte
Mirtes Marins de Oliveira
9 dez 2019, 14h39
A SP-Arte apresenta uma série de conteúdos sobre as principais instituições artísticas paulistanas e como elas moldaram o cenário cultural brasileiro. Confira aqui a segunda matéria do especial.
Por Mirtes Marins de Oliveira
O modernismo brasileiro tem seu apogeu na virada dos anos 1940 para 1950, com a fundação de instituições que vão caracterizar nas décadas seguintes o circuito artístico por intensa participação de diferentes públicos interessados na produção local justaposta ou em diálogo com a internacional. Nesse sentido, o marco é a inauguração do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), que projetou de forma sistematizada a preservação e divulgação do projeto modernista alinhado ao novo contexto industrial e econômico da cidade. Sua importância histórica é inquestionável, não só pelo esforço próprio de construção, inédito no ambiente brasileiro, mas por ser a origem de duas outras iniciativas: a Bienal de São Paulo e o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP).
O pano de fundo no qual a história do MAM-SP se constrói articula circunstâncias locais e interesses pessoais, e políticas econômicas e culturais em âmbito mundial. Se a matriz proporcionada pela Semana de 22 aglutinou alguns personagens que, nas décadas seguintes, pavimentam a necessidade de um museu que oferecesse e preservasse perspectivas modernas, o evento não garantiu o interesse e a consolidação de uma cultura de vanguarda na cidade ou no país. Ao contrário, os anos seguintes demonstraram divergências entre diferentes abordagens para pensar o Brasil a partir das relações com a cultura colonizadora europeia em novos ambientes financeiros e metropolitanos. Portanto, a década de 1930 não serviu automaticamente como desdobramento da Semana, mas algumas iniciativas vão fundamentar a efervescência cultural e institucional dos anos seguintes. Entre elas se destacam como precursores do MAM-SP – em termos de debates interessados nas propostas de renovação de linguagem e dos acontecimentos políticos mundiais e locais –, a Sociedade Pró Arte Moderna (SPAM), o Clube dos Artistas Modernos (CAM) e os Salões de Maio. Nesse sentido, as ações de Mário de Andrade e Sergio Milliet – na política e na imprensa – são fundamentais para pensar a necessidade dos museus modernos tanto para preservação de patrimônios culturais quanto para abrigar um tipo de produção artística diferenciada dos séculos anteriores, alinhada ao projeto de industrialização do país.
Acima: Fachada MAM (Foto: Facebook MAM-SP / Divulgação)
Outro elemento importante é o protagonismo de Francisco Matarazzo Sobrinho, Ciccillo Matarazzo, em seu projeto de inserção familiar e social. De origem italiana, vai moldar sua figura empresarial – constituída não a partir das antigas oligarquias locais – vinculando-a ao projeto de modernização da sociedade, e, com isso, localizar-se na arena das relações entre as famílias da elite paulistana. Foi responsável pelo fomento de outras iniciativas de prestígio: criou o Teatro Brasileiro de Comédia – TBC (1948), em associação com Franco Zampari, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949) e, em 1951, passa a presidir a Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, que terá como resultado a construção do complexo do Parque Ibirapuera. Além de, em contexto das ações do MAM-SP, organizar a Bienal no mesmo ano.
Outra dimensão da história do MAM-SP é sua relação com a matriz norte-americana, o Museum of Modern Art de Nova York (MoMA-NY) e seu programa de propagação da arte moderna. Fundado em 1929 por três membros da elite novaiorquina, o MoMA-NY será o palco da atuação de Nelson Rockefeller – filho de uma das fundadoras – como representante governamental na condução de uma empreitada diplomática e cultural. A constituição desse segmento de museus é desdobramento internacional da ação política, ideológica, econômica e cultural do governo norte-americano por meio do agenciamento do MoMA-NY, ao longo das décadas de 1930, 1940 e 1950. Só a partir dos anos 1960, identificado com o imperialismo norte-americano e suas atividades em contexto de Guerra Fria, a instituição declina em influência.
Ainda em contexto brasileiro, há uma confluência desses diversos impulsos a partir de 1946, quando iniciam as trocas de correspondência entre os interessados locais que discutem e estudam as possibilidades de implementação do projeto de um museu para a produção modernista – Sergio Milliet, Ciccillo Matarazzo, Rino Levi, Carlos Pinto Alves e Eduardo Kneese de Melo, junto aos interessados norte-americanos, Nelson Rockefeller e Carleton Sprague Smith. Essas trocas culminam na operação simbólica de Rockefeller que, em novembro de 1946 desembarcou no Brasil com treze obras de artistas europeus e norte-americanos para o futuro museu a ser fundado, que ficaram sob a guarda do Instituto dos Arquitetos do Brasil até a efetivação institucional.
A consolidação do projeto da fundação do MAM-SP cumpre etapas de constituição no âmbito das ações de Matarazzo, como exemplo a iniciativa familiar da Galeria de Arte Moderna (1947), comunicada de forma detalhada aos parceiros norte-americanos, que a partir do ano seguinte passam a roteirizar as relações que vão fundamentar a Fundação de Arte Moderna (1948), considerada antecessora direta do MAM-SP, que propunha divulgar arte e cultura e educar o gosto dos públicos. Ao mesmo tempo que as relações com os Estados Unidos se consolidam com a iniciativa, há um claro movimento de Matarazzo no sentido de também estimular contatos europeus. Nesse sentido, a influência de Karl Nierendorf, que Matarazzo conhecera quando ambos estavam internados no sanatório de Schatzalp, em Davos, é fundamental, já que o galerista alemão vai orientar minuciosamente a formação do Museu e trabalhar na organização de uma mostra que apresentasse a arte abstrata. Com o falecimento de Nierendorf, em 1947, a exposição continua gerenciada pela Fundação de Arte Moderna, para a inauguração do MAM-SP. Desenvolvida pelo crítico belga Léon Degand, “Do figurativismo ao abstracionismo” marca o início das atividades do Museu, e contou com obras de brasileiros Cicero Dias, Waldemar Cordeiro, Jean Arp, Alexandre Calder, Robert Delaunay, Wassily Kandinsky, Francis Picabia, Victor Vasarely e Flexor, entre outros. O MAM-SP é estabelecido em estatuto em 1948 e, em 1949, é inaugurado na rua Sete de Abril, em prédio de propriedade de Assis Chateaubriand, onde ja funcionava o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – Masp, que também disputava a atenção e apoio do MoMA-NY.
Tal qual seu modelo, o MoMA-NY, a agenda do MAM-SP é vertiginosa. Em 1950, haverá a assinatura de parceria oficial junto ao museu norte-americano para assistência e cooperação mútuas e, em 1951, inaugura o empreendimento, que, com o tempo, se tornará maior que a engrenagem que o gerou – a Bienal Internacional do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Realização que demandou esforços, estruturas e financiamentos da parte do MAM-SP, e como contrapartida constituirá o acervo do Museu via as premiações geradas por sistema de apoio de empresários, empresas e colecionadores na aquisição e doação de obras. A iniciativa vai gerar a visibilidade desejada por Matarazzo, que, envolvido com os próprios eventos e solicitações da exposição gigantesca, passa a se desinteressar cada vez mais pelo Museu.
Em 1962, Matarazzo cria a Fundação Bienal, separando o evento da instituição e, no ano seguinte, o acervo do MAM-SP é doado à Universidade de São Paulo, apesar de todos os movimentos contrários. Temporariamente extinto, o MAM-SP busca se reorganizar e reconstituir uma coleção, ação que será sistematizada a partir da iniciativa do Panorama da Arte Atual Brasileira (1969), exposição de realização bienal que permitirá a aquisição de novas obras, agora sob caracterização contemporânea.
Para abrigar a importante coleção, a Universidade cria o Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP) que passa a guardar e promover obras oriundas das premiações da Bienal, outras adquiridas por Matarazzo e Yolanda Penteado, além da doação realizada por Rockefeller. O MAC-USP será inaugurado sob a direção de Walter Zanini em abril de 1963 a partir dos pressupostos de um museu universitário, aberto ao experimentalismo e pesquisa. Em sua gestão, entre os anos 1963-1977, Zanini exercita a noção de museu laboratório, aberto aos mais jovens, longe das pautas exclusivamente mercadológicas e servindo como espaço de expressão vital durante o período da ditadura e censura no Brasil. É importante, nesse instante, a iniciativa das exposições denominadas Jovem Arte Contemporânea (JAC), eventos e mostras abertas aos conceitualismos e em consonância aos debates sobre a função dos museus de arte contemporânea como guarda e preservação artística, mas também como lugar de produção, por vezes desmaterializada mas claramente interessadas na transformação das linguagens artísticas e da própria sociedade.
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