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Curadoria 365

Curadoria 365 : Noite vazia

Gabriel Pérez-Barreiro
11 mai 2021, 9h

Minha inspiração para essa seleção na SP–Arte 365 é o filme “Noite vazia”, de 1964, dirigido por Walter Hugo Khouri (e disponível no YouTube). O filme, ambientado em uma São Paulo de classe média alta, segue dois jovens desiludidos em busca de diversão, amor e sexo na cidade grande.

A atmosfera geral do filme é igualmente sedutora e melancólica, cada conquista aparente revelando um vazio maior em suas vidas. A magistral cinematografia em preto e branco retrata uma cidade sexy, mas indiferente, de luzes de néon, bares decadentes e prédios de apartamentos modernos e elegantes, nos quais o indivíduo parece estar sempre perdido e vulnerável. Todas as obras que escolhi me lembram o clima muito particular deste filme, de noites cheias de saudade, frustração, beleza e pathos.

Miguel Rio Branco - Mona Lisa, junco

Miguel Rio Branco
“Mona Lisa, junco”, 1990
Fotografia: 70 × 100 cm
Silvia Cintra + Box 4

Rio Branco talvez seja o mestre em retratar o submundo brasileiro. Seus trabalhos geralmente se concentram nos socialmente marginalizados: prostitutas, boxeadores, jogadores… Seu tratamento exuberante de cores e tons saturados combinam perfeitamente com a estética decadente de seus locais escolhidos. Neste trabalho, vemos um pôster barato da Mona Lisa, provavelmente a imagem mais icônica da alta cultura europeia, servindo de pano de fundo para o que parece ser uma garota menor de idade que pode estar solicitando trabalho sexual. O forte contraste entre a imagem aristocrática encenada no pôster e a jovem é tão poético quanto chocante.

Rogerio Ghomes - O fim nunca chega

Rogerio Ghomes
“O fim nunca chega”, 2019
Photograph: 80 × 120 × 5 cm
Galeria Zilda Fraletti

Essa imagem borrada de uma sala de espera anódina parece comunicar um certo pavor, um sentimento de indiferença burocrática e atemporal que todos enfrentamos em um momento ou outro. As cadeiras vazias tornam-se agourentas por sua falta de personalidade, e a ausência de figuras nos encoraja a perguntar: quem está esperando por quem?

Robério Braga - Ventos da África #6

Robério Braga
“Ventos da África #6”, 2019
Fotografia: 100 × 100 × 1 cm
Galeria Mario Cohen

O trabalho de Braga centra-se nas tradições do Nordeste do Brasil, em particular da diáspora africana em Salvador, na Bahia, onde nasceu e onde realiza grande parte de seu trabalho. As imagens são registros do Bloco Afro Bankoma de Salvador, grupo que trabalha com educação artística para resgatar as tradições africanas e estimular o orgulho pela criatividade local. A imagem apresenta uma mulher espetacular vestida com uma elaborada fantasia durante o carnaval, em um momento de nobreza pessoal e cultural.

Vânia Mignone - Sem título

Vânia Mignone
Sem título, 2019
Pintura: 48 × 39 × 4 cm
Casa Triângulo

O trabalho de Vânia Mignone frequentemente imagina um mundo pós-apocalíptico, no qual as pessoas estão presas em uma solidão melancólica. Neste trabalho, a figura imagina um mundo onde estamos “todos juntos”, como anunciam as palavras acima dela, e o sistema planetário sugere que, afinal, talvez haja esperança em um universo harmônico.

Ana Calzavara - Noite branca

Ana Calzavara
“Noite branca”, 2017
Pintura: 30 × 40 cm
Mul.ti.plo Espaço Arte

Este trabalho é fruto de uma série que Calzavara fez de cenas noturnas nas rodovias brasileiras. Nesse caso, ela inverteu as cores, fazendo referência a Noites brancas, famosa história de Dostoievski, posteriormente transformada em filme por Luciano Visconti. A artista se refere a seus trabalhos como “maneiras de focar a atenção”, normalmente escolhendo temas aparentemente banais, mas retratando-os com grande sensibilidade pictórica e habilidade visual para tornar o cotidiano mágico.

Vicente do Rego Monteiro - Natureza Morta - O Mundo que a Cafeteira Criou

Vicente do Rego Monteiro
“Natureza morta — O mundo que a cafeteira criou”, 1942
Pintura: 50 × 33 cm
Galeria Frente

Rego Monteiro é mais conhecido pelas suas grandes composições Art Déco, mas também produziu uma série de fascinantes pinturas de natureza morta, nas quais se destaca o seu audacioso senso de composição. Nesse trabalho, uma mesa, uma jarra e um cinzeiro evocam a mesa de um café ou bar, enquanto os padrões elaborados da toalha de mesa quase sugerem uma malha de ruas ou rodovias que se derramam em primeiro plano para encontrar o espectador.

Mariannita Luzzati - Sem título

Mariannita Luzzati
Sem título, 2019
Pintura: 170 × 200 cm
Galeria Marcelo Guarnieri

Esta imagem simples de uma lua em meio às nuvens resume o interesse de Luzzati pela paisagem e, particularmente, por retratar cenas poéticas com muito pouca informação. Sua técnica característica de borrões convida a múltiplas leituras da imagem, leituras que são bem-vindas e podem ser realizadas simultaneamente.

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Marcelo Greco
“16”, da série “Abrigo”, 2016–19
Fotografia: 40 × 30 × 5 cm
Bianca Boeckel Galeria

Nesta imagem, Greco retrata sua parceira Helena em um momento íntimo de banho. Esta imagem faz parte de uma série em que ele fotografa Helena em diferentes momentos de convivência. A imagem é terna e privada, mas por causa do formato fotográfico nós, como espectadores, também somos convidados a adentrar, como ato de voyeur, uma quarta parede no drama de suas vidas.

Confira também a breve entrevista
que fizemos com o curador.


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Gabriel Pérez-Barreiro é curador e historiador da arte, liderou a curadoria de arte latino-americana no Blanton Museum of Art (Austin, EUA), e foi diretor e curador-chefe da Colección Patricia Phelps de Cisneros. Foi curador da 33ª Bienal de São Paulo, em 2018, e do Pavilhão Brasileiro na 58ª Bienal de Veneza, em 2019. Em 2007, foi curador-chefe da 6ª Bienal do Mercosul em Porto Alegre.

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