Editorial
Audioguia
Audioguia 2021: Artes visuais e o modernismo de 22
Frederico Coelho
9 dez 2021, 18h14
Este texto foi escrito por ocasião da SP–Arte 2021 e compõe um dos audioguias produzidos exclusivamente para a Feira. Você pode ouvi-lo aqui:
Acima: "Cabeça de mulheres" (1920), Vicente do Rego Monteiro (Foto: divulgação)
Apesar de sempre ser vinculada às inovações literárias que ocorreram no país durante o século 20, a relação das artes visuais com o grupo de artistas e intelectuais que promoveram a famosa Semana de Arte Moderna em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, é orgânica.
Foi, aliás, justamente a partir de uma exposição feita por Anita Malfatti em dezembro de 1917 na cidade, e da recusa de uma ácida leitura crítica promovida publicamente por Monteiro Lobato, quando o escritor e editor batizou de forma conservadora a exposição de Malfatti de “Paranóia ou Mistificação”, que o chamado grupo dos cinco, composto por nomes fundamentais como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Menotti del Picchia e a própria Anita, se formou. Esse grupo se tornou o embrião das ações de ruptura com o academicismo das Escolas de Belas Artes em prol de uma nova arte brasileira, vinculada aos movimentos estéticos de vanguarda das primeiras décadas europeias.
O modernismo brasileiro, antes de tudo, se recusou a se tornar uma filial importada do futurismo italiano e dos demais grupos que colocavam em xeque os padrões clássicos europeus e se tornavam promotores – e provocadores – de propostas que visavam a ruptura com padrões estabelecidos na estética do ocidente, como a proporção e a perspectiva, a temática clássica ou a função social do artista burguês.
O tema europeu do primitivismo colonialista francês, a recusa violenta do sistema da arte pelo dadaísmo ou as torções radicais da figuração bidimensional através do cubismo eram referências que a juventude paulista em particular e brasileira em geral apontavam como meta de superação dos padrões vistos então como passadistas, isto é, ligados a uma mentalidade colonial e excessivamente acadêmica na pintura, na escultura ou na arquitetura feitas no país.
Não é à toa, portanto, que escritores, críticos e poetas como Mário e Oswald de Andrade tiveram em artistas imigrantes sediados em São Paulo, como Victor Brecheret, Wilhelm Haarberg, John Graz e Lasar Segall pontas-de-lança na transformação do horizonte estético que definia a ideia de imagem nacional. Esses impactos visuais foram fundamentais para que a própria concepção de poesia, de prosa e de ensaio crítico sugerisse uma nova perspectiva e um novo olhar sobre os trabalhos que precisavam ser valorizados em prol de uma nova arte ao mesmo tempo local e cosmopolita.
Outro ponto fundamental na ligação entre o período modernista e as artes visuais de então é a presença de Emiliano Di Cavalcanti entre os idealizadores da famosa Semana de 22. Di é um dos nomes que faz a transição entre o ecletismo carioca da Belle Époque – em que a Art Deco, com seu estilo vindo em grande parte da arquitetura e indicando a transição entre os padrões decorativos europeus e um sentimento cosmopolita de modernidade gráfica era predominante nas revistas ilustradas da cidade – para uma visualidade que vai se definindo com cores, cenas e corpos brasileiros.
Em contraponto, Tarsila do Amaral, um dos nomes mais conhecidos quando falamos do modernismo brasileiro, não participou como expositora da Semana. Seu trabalho, gestado entre estudos feitos em Paris com pintores do porte de Fernand Léger e círculos vanguardistas de poetas e músicos, apresenta ao Brasil uma abordagem singular das formas tropicais através das inovações europeias. As pinturas realizadas na década de 1920 se tornaram mundialmente icônicos na representação de um pensamento moderno sobre a arte brasileira.
Durante a exposição que ocorreu nos três dias de fevereiro no Teatro Municipal, outros pintores e pintoras como Martins Ribeiro, Zina Aita, J.F. de Almeida Prado e Ferrignac marcaram presença com trabalhos que apontavam as transformações visuais que se passavam pelo país. Dentre os expositores, porém, é o pernambucano Vicente do Rego Monteiro (que, aliás, esta edição da SP–Arte conta com um dos trabalhos que o pintor apresentou na Semana de Arte Moderna, intitulado “Cabeça de Negras”, de 1920) , ao lado de Di Cavalcanti, que demarca uma pintura original nas pesquisas feitas então. Seu trabalho transcende o momento da Semana e se torna um dos principais pintores de sua geração e além.
É nesse espírito que articula os temas da modernidade industrial, o internacionalismo da arte e a necessidade de uma pauta nacional através de pesquisas que iam do barroco mineiro aos imaginários ameríndios ou às matrizes da diáspora africana, que a arte feita no Brasil após a virada modernista consolida uma ideia coesa, mesmo que esparsa, de visualidade nacional.
Esse ímpeto renovador permite que artistas cujas obras não se integraram diretamente à Semana, como os trabalhos fundamentais de Cícero Dias, Flávio de Carvalho, Maria Martins ou Candido Portinari, sejam vistos também a partir das transformações que o país e o campo estético atravessaram. São obras que seguem produzindo pontes entre os temas locais e a circulação desses artistas em cenários internacionais. Após o período renovador irradiado por São Paulo na década de 1920, e consolidado nas demais modernidades locais de cidades brasileiras, o que vemos como desdobramentos na arte do país são manifestações visuais que tematizam as contradições e os impasses presentes nos nossos componentes arcaicos e em nosso devir projetivo de permanente modernidade.
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