Detalhe da capa de "Daytripper" (2010), Fábio Moon e Gabriel Bá
Histórias em quadrinhos

As histórias em quadrinhos como manifestação artística

Caio Blanco
4 jun 2020, 16h10

Perceber as histórias em quadrinhos como manifestações artísticas – seja no campo da literatura ou no campo das artes visuais – parece ser um tema já pacificado, não sem antes muito debate e reflexão. E isso pois, em uma primeira análise despercebida, diversos fatores contribuem para o pensamento oposto desta categorização, como a mediação comercial das revistas através de uma banca de jornal, o estigma de que são feitas para a leitura de crianças e de adolescentes apenas, sua produção em massa, enfim, tudo parece corroborar para a avaliação das HQs apenas como mero entretenimento juvenil.

Fato é que não são. Desde 2000, a Feira do Livro de Frankfurt – maior encontro mundial do setor editorial – deu grande destaque às revistas de histórias em quadrinhos, que ganhou um hall personalizado no evento, além de palestras e conversas sobre o tema. Este movimento da Feira de Frankfurt alçou as HQs aos status de “categoria literária” como um dos muitos subgêneros da literatura. Não há dúvidas de que os quadrinhos possuem mesmo todo um vocabulário e estilo próprios, desenvolvidos nas últimas décadas com o objetivo de encontrar a maior comunhão possível entre texto e imagem. Elementos como o balão, a linha cinética, a onomatopéia ou mesmo a linguagem seqüencial são específicos das HQs e, em certa medida, quase que impulsionam os quadrinhos a uma outra forma de arte, talvez apartada da literatura, como um gênero completamente novo e dono de si.

Além da questão literária, é preciso também analisar a expressão artística que existe nas HQs, principalmente quando analisamos sua conexão com as artes plásticas. As artes plásticas nada mais são do que a capacidade de moldar e re-significar os mais diversos materiais para a expressão última de nossos instintos, sentimentos e ideias. Diversos autores, nesse sentido, apresentam trabalhos que desenvolvem um caminho sinuoso comum entre a pintura e as HQs, com a representação das belas formas do corpo-humano e inserções realistas ao desenho através de técnicas de iluminação, ângulos inusitados e ressignificação da perspectivas dos objetos.

Acima: Detalhe da capa de "Daytripper" (2010), Fábio Moon e Gabriel Bá

Livro "Daytripper" (2010), Fábio Moon e Gabriel Bá
Livro "Daytripper" (2010), Fábio Moon e Gabriel Bá

Livro "Daytripper" (2010), Fábio Moon e Gabriel Bá

Livro "Daytripper" (2010), Fábio Moon e Gabriel Bá

Livro "Daytripper" (2010), Fábio Moon e Gabriel Bá

Livro "Daytripper" (2010), Fábio Moon e Gabriel Bá

Dessa forma, temos que a linguagem dos quadrinhos incorpora quase todas as expressões conhecidas de arte, tais como desenho, pintura, arquitetura, expressão cênica e narrativa literária, argumento que baseia profundamente os defensores de que as histórias em quadrinhos são, em realidade, a nossa nona arte. 

Outro fator interessante de se notar também é a questão da pluralidade estética das HQs, já que a mesma história – ou uma mesma série de histórias – podem ser contadas de formas variadas a depender do roteirista e, claro, do ilustrador contratado para o trabalho: o artista é capaz de imprimir seu estilo próprio a personagens já estabelecidos, ressignificando seu universo sem fazê-los perder a essência.

É preciso, portanto, desfazer o estigma de que as histórias em quadrinhos resumem-se apenas às narrativas de super-heróis dos grandes estúdios, como Marvel e DC, e que não apresentam grande variedade artística visual. Muito pelo contrário: a evolução das técnicas de ilustração e o amadurecimento na forma de contar histórias a um público cada vez menos ingênuo e cada vez mais exigente renderam verdadeiras obras-primas no campo das HQs. Artistas como Marjane Satrapi e Art Spiegelman utilizaram as histórias em quadrinhos para narrar suas histórias de vida de uma forma poética e com um estilo completamente único. “Persépolis”, livro de Marjane Satrapi publicado em quatro volumes, por exemplo, narra a infância da escritora iraniana durante a Revolução Islâmica. Já o livro “Maus”, do americano de origem judia, Art Spiegelman, conta a história de seus pais, que foram sobreviventes dos campos de concentração de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial. “Maus”, inclusive, recebeu, em 1992, o primeiro prêmio Pulitzer destinado a um livro de história em quadrinhos.

Livro "Maus: a história de um sobrevivente" (1980), Art Spiegelman
sparte-editorial-hqs-maus-22

Livro "Maus: a história de um sobrevivente" (1980), Art Spiegelman

Livro "Maus: a história de um sobrevivente" (1980), Art Spiegelman

Livro "Maus: a história de um sobrevivente" (1980), Art Spiegelman

Dessa forma, temos que a linguagem dos quadrinhos incorpora quase todas as expressões conhecidas de arte, tais como desenho, pintura, arquitetura, expressão cênica e narrativa literária, argumento que baseia profundamente os defensores de que as histórias em quadrinhos são, em realidade, a nossa nona arte.

Livro "Persépolis" (2000), Marjane Satrapi
Livro "Persépolis" (2000), Marjane Satrapi

Livro "Persépolis" (2000), Marjane Satrapi

Livro "Persépolis" (2000), Marjane Satrapi

Animação "Persépolis" (2007), Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud

Animação "Persépolis" (2007), Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud

Exemplos do primor artístico de publicações em quadrinhos também não faltam no cenário brasileiro: “Daytripper“, uma minissérie em dez capítulos dos brasileiros Fábio Moon e Gabriel Bá, foi um trabalho extremamente aclamado internacionalmente, indo para o topo de coletâneas do New York Times e ganhando o Prêmio Eisner e o prêmio Harvey, premiações importantes no mundo dos quadrinhos.

Outro exemplo importante da versatilidade artística dos quadrinhos e de como histórias conhecidas podem ser radicalmente transformadas através de novas ilustrações foi a série “Turma da Mônica: Laços”, dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, que trouxe aos leitores a possibilidade de ver personagens já tão bem estabelecidos em traços e estilos completamente diferentes. Mesmo com a brusca mudança no estilo, “Turma da Mônica: Laços” se tornou a graphic novel brasileira mais vendida de todos os tempos, provando que uma iniciativa artística de qualidade aliada a um conteúdo sólido são fórmulas certas para o sucesso.

De todas as perspectivas atuais, não parecem restar dúvidas de que as histórias em quadrinho configuram-se manifestações artísticas com linguagens próprias e únicas, capazes de, tal qual os melhores livros e os mais geniais quadros e esculturas, provocar em seu público reflexão e sensações diversas, objetivo final e comum de qualquer obra de arte.

Livro "Turma da Mônica: Laços" (2015), Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi
QuadradoTransparente

Livro "Turma da Mônica: Laços" (2015), Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi

Livro "Turma da Mônica: Laços" (2015), Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi

Livro "Turma da Mônica: Laços" (2015), Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi

Livro "Turma da Mônica: Laços" (2015), Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi

Livro "Turma da Mônica: Laços" (2015), Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi


WhatsApp Image 2020-03-30 at 15.16.40

Caio Blanco é o especialista de marketing digital da SP-Arte. Bacharel em Direito pela USP e com mestrado em Marketing pela University of Leeds, do Reino Unido, passou por empresas como Google e Socialbakers. Lidera, também, as estratégias de relacionamento com nossas galerias-parceiras.

Perfil SP–Arte

Faça parte da comunidade SP–Arte! Somos a maior feira de arte e design da América do Sul e queremos você com a gente. Crie ou atualize o seu perfil para receber nossas newsletters e ter uma experiência personalizada em nosso site e em nossas feiras.