Rufino Tamayo, "Perro aullando a la luna" [Cachorro uivando para a lua], 1942 (detalhe). Óleo sobre tela, 112,4 x 85,7 cm. Cortesia: Sotheby's.
Arte latino-americana

A evolução de categorias em casas de leilão:
Arte latino-americana

Marina Dias Teixeira
1 mai 2020, 10h

Desde 2005, a SP-Arte se consolida a cada ano como uma das principais feiras da América Latina, fomentando a cultura e as artes visuais da região. No evento, a arte latino-americana ganha destaque por intermédio de galerias do mercado primário, que levam o melhor da produção contemporânea, assim como expositores do mercado secundário, que apresentam um recorte seleto de expoentes do período moderno.

Nesta segunda entrevista da série que apura o papel dos leilões no mercado de arte, conversamos com Anna Di Stasi, diretora de arte latino-americana na Sotheby’s, uma das mais tradicionais casas do segmento. Anna pincela destaques na história do mercado de arte latino-americana desde seus primeiros leilões dedicados nos anos 1970, e traça o percurso que levou a categoria a se emancipar de uma conotação regional para alcançar o mesmo patamar dos grandes artistas modernos e contemporâneos internacionais.

Acima: Rufino Tamayo, "Perro aullando a la luna" [Cachorro uivando para a lua], 1942 (detalhe). Óleo sobre tela, 112,4 x 85,7 cm. Cortesia: Sotheby's.

Como foi a evolução da Arte Latino-Americana na Sotheby’s ao longo dos anos?

Anna Di Stasi: Os últimos anos tem sido bastante emocionantes na Sotheby’s no que diz respeito à arte latino-americana. Em 2018, após anos de discussões internas, tomamos a decisão proativa de integrar totalmente a arte latino-americana em nossas vendas de arte impressionista/moderna e contemporânea. Como a primeira casa de leilões a lançar leilões dedicados à arte latino-americana, em 1977, percebemos que, embora inicialmente bem-sucedida, uma abordagem regional da categoria não refletia mais o gosto crescente dos colecionadores ao redor do mundo.

Nossa decisão de integrar a arte latino-americana não apenas em nossas vendas principais em maio e novembro, mas ao longo de todo o calendário de leilões em Nova York, Londres e Paris ao vivo e online, permite-nos interagir com um grupo cada vez mais amplo de clientes, muitos dos quais colecionam transversalmente em categorias de todos os segmentos do mercado. Essa abordagem pioneira reforça as principais conexões entre artistas da América Latina e seus contemporâneos europeus e norte-americanos — uma estratégia adotada de maneira semelhante por grandes instituições como o MoMA, que reconfiguram a apresentação de sua coleção permanente de arte latino-americana no século XXI.

Sérgio Camargo, Sem título, 1964. Relevo em madeira pintada, 81 x 61 cm. Cortesia: Sotheby's.
Mira Schendel, Sem título, da série "Droguinhas", 1966. 66,7 x 26 x 15,7 cm. Cortesia: Sotheby's.

Sérgio Camargo, Sem título, 1964. Relevo em madeira pintada, 81 x 61 cm. Cortesia: Sotheby's.

Mira Schendel, Sem título, da série "Droguinhas", 1966. 66,7 x 26 x 15,7 cm. Cortesia: Sotheby's.

Beatriz Milhazes, "Avenida Brasil", 2003-04. Tinta acrílica sobre tela, 299,1 x 396,2 cm. Cortesia: Sotheby's.

Beatriz Milhazes, "Avenida Brasil", 2003-04. Tinta acrílica sobre tela, 299,1 x 396,2 cm. Cortesia: Sotheby's.

Você poderia compartilhar um episódio memorável na história da categoria em grandes casas de leilão?

ADS: Tive a sorte de testemunhar alguns eventos memoráveis ​​em meus vinte anos de carreira no mercado de arte — participando do primeiro leilão de arte latino-americana realizado em Paris em 2004 e da extraordinária venda da coleção Lorenzo H. Zambrano, o caso de maior sucesso de venda em leilão de uma coleção de proprietário único de arte latino-americana a chegar ao mercado, até chegar à venda da primeira pintura de Rufino Tamayo acima de US$ 5 milhões em um Leilão Noturno de Arte Impressionista e Moderna em maio de 2018. A categoria passou por um enorme crescimento nas últimas décadas, à medida que alcançamos recordes mundiais de leilão para uma infinidade de artistas, incluindo: Mira Schendel, Sergio Camargo, Emiliano Di Cavalcanti, Beatriz Milhazes, Jesus Rafael Soto, Carlos Cruz-Diez, Francisco Toledo, Wifredo Lam, entre outros… No entanto, além da emoção de atingir esses patamares excelentes, me traz um enorme orgulho apresentar e promover a riqueza da arte latino-americana a um público global ansioso por descobrir novos talentos.

Ao longo da sua carreira, quais peças alcançaram recordes inesperados de venda
em leilão?

ADS: Toda temporada, existem alguns trabalhos que definitivamente nos surpreendem. Às vezes, essas obras são de natureza histórica e extremamente rara para o mercado leiloeiro. Outras vezes, elas representam algumas das melhores amostras do artista e compõe coleções particulares já há muitas décadas. Um exemplo recente em particular foi a Parícutin de Tamayo, que foi vendida por US$ 4 milhões contra uma estimativa de US$ 1,3–1,8 milhões, em novembro de 2018. Embora soubéssemos que o trabalho se sairia bem, ninguém esperava alcançar esse resultado, que hoje é o maior recorde de uma paisagem latino-americana vendida em leilão. Da mesma forma, obras de excelente qualidade pertencentes a um período de produção limitada sempre se dão muito bem em leilão. Um exemplo surpreendente foi The Tree of Modern Art, de Miguel Covarrubias, que alcançou US$ 312,5 mil contra uma estimativa de US$ 100–150 mil, também em novembro de 2018. Mais recentemente, trabalhos de artistas mulheres como Alice Rahon, Olga de Amaral e, claro, Carmen Herrera estão apresentando um desempenho extremamente bom.

Rufino Tamayo, "Paisaje del Paricutín (volcán en erupción)" , 1947. Óleo e areia sobre tela, 76,5 x 102 cm. Cortesia: Sotheby's.

Rufino Tamayo, "Paisaje del Paricutín (volcán en erupción)" , 1947. Óleo e areia sobre tela, 76,5 x 102 cm. Cortesia: Sotheby's.

Miguel Covarrubias, "The tree of Modern Art – Planted 60 Years Ago", 1933. Guache, nanquim e tinta sobre cartão, 41 x 33 cm. Cortesia: Sotheby's.

Miguel Covarrubias, "The tree of Modern Art – Planted 60 Years Ago", 1933. Guache, nanquim e tinta sobre cartão, 41 x 33 cm. Cortesia: Sotheby's.

Quais são seus destaques pessoais para peças pertencentes à categoria?

ADS: Meus destaques pessoais variam a cada estação. Às vezes, são definidos por sua raridade e qualidade excepcional, mas certamente nem sempre são as obras com os preços mais altos. Muitas vezes me sinto atraída por composições íntimas de pequena escala no papel e primeiros trabalhos abstratos e minimalistas. Gosto particularmente de obras produzidas por artistas mulheres nos anos 1960 e 1970, pois elas revelam abordagens extremamente pessoais e radicais da arte, do feminismo e de sua relação com o corpo.

Quais são os desafios da categoria no mercado de arte?

ADS: A arte latino-americana tem desafios muito específicos, que são exclusivos da categoria. A enorme falta de galerias dedicadas ao mercado secundário na região surpreende a maioria dos colecionadores adentrando o campo; os impostos punitivos sobre obras de arte e patrimônio nacional excessivamente regulamentado também dificultam o comércio de obras altamente desejáveis.

Como é o desempenho da categoria em leilões online?

ADS: À medida que nossa plataforma de leilão online continua a se expandir e se tornar mais central para os nossos negócios, o desempenho online de arte latino-americana também aumentou significativamente. Dada a pandemia em curso, descobrimos que, embora nossas vendas ao vivo estejam temporariamente interrompidas, um público internacional crescente e mais amplo está ansioso para realizar transações através de ambientes online e se tornou progressivamente confortável em se envolver na aquisição de obras com preços mais altos sem vê-las pessoalmente. Até o momento, realizamos 31 vendas on-line em 2020, com muitas atualmente em exibição e/ou se aproximando no calendário. Essas vendas arrecadaram mais de US$ 50 milhões e crescem diariamente. Esse montante aumentou significativamente em volume e valor em comparação ao mesmo período de 2019. Também reflete um aumento de 67% no preço médio alcançado por lote. Desde dia 1º de março, tivemos 21 vendas on-line, que já levantaram US$ 40 milhões. Várias dessas vendas foram programadas anteriormente para serem leilões ao vivo e foram convertidas com sucesso no formato de vendas on-line. Estamos muito empolgados com os resultados online obtidos até o momento e estamos contando os dias para as primeiras vendas tradicionais, que vão acontecer online no início de maio.

Carmen Herrera, "Blanco y verde", 1966-67. Tinta acrílica sobre tela, 101.6 x 177.8 cm. © Carmen Herrera. Cortesia: Sotheby's.

Carmen Herrera, "Blanco y verde", 1966-67. Tinta acrílica sobre tela, 101.6 x 177.8 cm. © Carmen Herrera. Cortesia: Sotheby's.

Você escolheria um trabalho disponível na
SP-Arte 365?

ADS: Apenas um? Se puder, eu escolheria mais do que isso! Tenho grande respeito e admiração por muitas das galerias que participam da SP-Arte. Sua programação e comprometimento com o campo são verdadeiramente incomparáveis na América Latina. Nesta edição em particular, eu escolheria obras de Feliciano Centurion; Rubem Valentim, Emblema 5 (1973) na Mendes Wood; uma rara Wanda Pimentel, Sem título (1968) na Ronie Mesquita Galeria; Carmelo Arden Quin, Cubismeria (1947) em Simões de Assis e uma maravilhosa pintura de Flavio de Carvalho na Almeida e Dale Galeria de Arte.

 


Sobre Anna Di Stasi

Como diretora de arte latino-americana da Sotheby’s, Anna Di Stasi lidera a integração da arte latino-americana nos leilões de arte impressionista e moderna e de arte contemporânea da casa. Nesta posição, ela contribui para a liderança da Sotheby’s na categoria, garantindo espólios e consignações importantes em toda a região, desenvolvendo mercados emergentes e gerenciando os principais relacionamentos com os clientes nos Estados Unidos e no exterior.

Com base em Nova York, Di Stasi iniciou sua carreira em 2000 na Christie’s como especialista no departamento de pinturas da América Latina, onde era responsável por pesquisar, avaliar e promover obras de arte para venda. Ela possui um Master of Arts em História da Arte da Universidade de Nova York, Institute of Fine Arts, um segundo Master of Arts em Conhecimento e Mercado de Arte da Christie’s Education e um Bacharelado em História da Arte e Psicologia da Boston College. Ela é membro da ArtTable e é certificada em Padrões Uniformes de Prática de Avaliação Profissional (USPAP) pela Associação de Avaliadores da América. Criada em Madri, Cidade do México e Miami, ela é fluente em inglês e espanhol, alfabetizada em português e francês.


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Marina Dias Teixeira é formada em Estudos de Mídia e Cultura pela Universidade de Arte de Londres (UAL). Já integrou as equipes da Fundação Bienal de São Paulo, Sotheby’s Brasil e SP–Arte. Hoje é responsável pela coordenação de projetos da Act, consultoria de arte. Em paralelo, pesquisa teorias decoloniais e a produção de artistas afro-diaspóricos no circuito de arte contemporânea, com foco em mulheres negras. Desde 2020, colabora para a Casa Vogue Brasil, trazendo um olhar atento a artistas negres e sua produção.

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