Editorial
Arte negra
A curadora Diane Lima conversa com a SP-Arte sobre representatividade na arte brasileira
Marina Dias Teixeira / Barbara Mastrobuono
6 dez 2018, 11h35
Por ocasião do Mês da Consciência Negra, a SP-Arte conversou com diversos curadores negros sobre sua trajetória e como enxergam o momento artístico brasileiro atual. Não é porque novembro acabou que a reflexão em torno do assunto precisa parar! Confira aqui a primeira entrevista da série, com a curadora Diane Lima.
Acima: "Sem título, sem pele – Da tragédia a utopia" (2018), Kiluanji Kia Henda (detalhe). Foto: Divulgação.
O que fez você decidir começar a trabalhar como curadora?
Diane Lima: O desejo partiu da necessidade de pensar programas críticos, expositivos e educativos que dessem conta de elaborar outras perspectivas de conhecimento, especialmente latino-americanas e afro-diaspóricas. Eu entendo curadoria como uma atividade que mobiliza diversas narrativas sensíveis para criar uma totalidade de discurso, que tem como um dos principais objetivos a produção de conhecimento. Minha prática está ligada com ocupar espaços e combater a desvalorização, a negação e o ocultamento das contribuições de outras epistemologias que não encontram lugar na história e no sistema da arte tal como conhecemos. Uma vez que são as práticas científicas de saber que legitimam os padrões de beleza e quem merece ou não ser visto, é importante questionar a quais corpos e geografias a história da arte ocidental contempla, e a quais ela hierarquiza abaixo da linha da visibilidade, subalternizando-os no quesito da sua veracidade.
Qual o foco da sua pesquisa curatorial?
DL: Tenho trabalhado com o que chamo de uma “prática curatorial na perspectiva decolonial das mulheres negras latino-americanas”, uma prática que leva em consideração outras perspectivas de conhecimento, performando seu discurso no campo estético ao mesmo tempo que instaura uma ética nas estruturas institucionais. Me interessa a elaboração subjetiva, encarnada e singularizada da arte afro-latino-americana e diaspórica, que anuncia novos mundos e modos de ver e fazer e que, sobretudo, encontra na geopolítica do poder ressonância em outros corpos e culturas. Tenho dito que criar em perspectiva é falar do mundo a partir de si e não mais falar sobre si a partir do mundo. Costurar esses trânsitos de forma multidisciplinar é o que tem me movido. Do ponto de vista ético, se a própria natureza das exposições faz com que ela seja um terreno contestável quando falamos de uma prática que se quer decolonial, performar o discurso é pensar nessas políticas de exibição do outro e nas relações estruturais e institucionais que perpetuam sistemas de controle, que por sua vez restringem as oportunidades e precarizam as relações de trabalho para os corpos racializados, dissidentes ou subalternizados.
Quais mudanças você identifica no cenário artístico de São Paulo nos últimos anos?
DL: Atualmente estou em Madrid, onde fui convidada para participar de um programa de residência em investigação curatorial pela Matadero Madrid e FelipaManuela. Tendo em vista o que estou vendo aqui e daqui, não tenho dúvidas que o Brasil hoje ocupa no mundo um lugar de extrema importância no que concerne a produção intelectual e artística que se quer anticolonial e antiracista. Como esse é um cenário que se constituiu nos últimos cinco anos a partir de avanços ligados à tecnologia, à educação e a um legado de diversas militâncias e movimentos sociais, acredito que a maior mudança foi a própria mudança: falamos de protagonismo, visibilidade, ascensão aos espaços institucionais e aos próprios efeitos revolucionários que a arte em conjunto com a política podem promover em nossa sociedade e que tem sido, no momento delicado que vivemos, uma das principais forças de resistência. É preciso reconhecer que esse é um marco que está ligado principalmente aos movimentos de mulheres negras de todo o país e à expansão do feminismo negro em todo o mundo.
Você tem um artista negro para indicar?
DL: Teria muitxs, mas me desloca a produção de Jota Mombaça, Sondra Perry, Satch Hoyt e Kiluanji Kia Henda. Este último é um artista angolano, cuja exposição individual eu acabei de curar no Valongo Festival Internacional da Imagem. Também me mantenho muita atenta à geração mais nova, como Ana Almeida e Iagor Peres, apenas para citar alguns.
Quais as suas expectativas para o futuro?
DL: Acho que vivemos num momento muito movediço no que tange as questões políticas no Brasil. Então, a expectativa maior é que seja possível continuar trabalhando, fazendo e disputando um projeto de país que seja para todxs e não para a manutenção do poder e privilégio de alguns. Também, no momento, me preparo para uma temporada de três meses na Alemanha, onde estou curando junto com Mário Lopes o programa de residência artística PlusAfroT, que vai acontecer na Villa Waldberta em Munique e contará com a presença de oito artistas brasileirxs.
Sobre Diane Lima
Diane Lima é curadora independente, pesquisadora e diretora criativa. Mestra em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, seu trabalho concentra-se em experimentar práticas curatoriais multidisciplinares em perspectiva decolonial. Criou o programa de imersão em processos de criação AfroTranscendence (Red Bull Station/ Galpão VideoBrasil), e foi curadora entre 2016 e 2017 do Diálogos Ausentes (Itaú Cultural), programa que discutiu a presença dxs negrxs nas mais diferentes áreas de expressão, culminando com a exposição homônima nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Neste mesmo ano criou A.Gentes – Programa de Imersão em Questões Raciais voltado para os funcionários do Itaú Cultural. Em 2018, foi a curadora do Valongo Festival Internacional da Imagem, integrante do Grupo de Críticos de Arte do CCSP (Centro Cultural São Paulo), além de ser jurada de diversas comissões de seleção e premiação, como Prêmio Bravo! de Cultura, Prêmio EDP nas Artes do Instituto Tomie Othake e Artsonica do Oi Futuro. Em 2019 realiza a Residência PlusAfrot na Villa Waldberta em Munique-Alemanha.
Curadora Diane Lima
(Foto: Alile Dara Onawale)
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