Editorial
Entrevista
50 anos da galeria Luisa Strina
Gabriela Valdanha
26 nov 2024, 11h57
Em dezembro, a galeria Luisa Strina comemora 50 anos de existência. Para celebrar a data, entrevistamos a galerista que dá nome à casa. Entre memórias e planos, aos 81 anos, ela nos fala sobre a arte brasileira no exterior, as mudanças causadas pela internet, a profissionalização do mercado e a publicação que prepara para marcar o aniversário. “Eu diria que abrir uma galeria é um ato de coragem e paixão”, afirma.
Acima: Luisa Strina em 1993 (Foto: acervo pessoal)
A trajetória da sua galeria está profundamente entrelaçada com a história de artistas essenciais para a arte brasileira. Quais artistas te marcaram? Sua história também se confunde com a do mercado de arte. Quais momentos foram os mais impactantes?
Posso dizer que a trajetória da galeria é inseparável da história de artistas fundamentais para a arte contemporânea brasileira. Antonio Dias, Tunga e Cildo Meireles, por exemplo, foram artistas que não apenas marcaram minha vida profissional, mas também me ensinaram muito sobre arte.
Antonio Dias foi um dos primeiros artistas que representamos e, com ele, aprendi sobre a importância de uma obra ser ao mesmo tempo crítica e poética. Sua capacidade de criar reflexões profundas sobre questões políticas e existenciais sempre me impressionou. Tunga era um gênio inventivo, um artista cuja obra transcende a matéria. Ele sabia, como ninguém, criar uma experiência completa e visceral. Representar o Tunga significava estar sempre diante do desconhecido, do inesperado, e acho que ele desafiava a própria galeria a evoluir e se reinventar. Cildo é um grande parceiro e amigo ao longo desses cinquenta anos. Sua obra tem uma precisão e um rigor conceitual únicos, e acredito que o trabalho dele ajudou a elevar a arte brasileira a um novo patamar de complexidade e reconhecimento global.
Nossa primeira participação na Art Basel, em 1992, foi um marco não apenas para a galeria, mas para o reconhecimento da arte brasileira no exterior. E uma exposição que eu citaria é This Is Not a Void, uma das mais desafiadoras que organizamos. Esse projeto do curador Jens Hoffmann representa um momento importante na história da galeria, exatamente por sua ousadia e pela forma como expandiu os limites de como percebemos e experienciamos a arte. Na época, 2007, Hoffmann propôs uma exposição sem objetos num espaço vazio, reunindo obras de 37 artistas internacionais para refletir sobre a ideia de vazio, desmaterialização e imaterialidade.
Seu trabalho foi crucial para a internacionalização da arte brasileira. Como você vê o cenário atual da arte brasileira no exterior?
Vejo o cenário da arte brasileira no exterior hoje com uma mistura de orgulho e atenção. O trabalho feito ao longo de décadas para levar nossa produção para fora consolidou uma base importante. Hoje, a arte brasileira é amplamente reconhecida e respeitada, e nomes como Lygia Clark, Hélio Oiticica e Cildo Meireles, entre outros, estão presentes em coleções e exposições de instituições renomadas ao redor do mundo. Isso é uma vitória para todos nós.
Acredito que o desafio hoje é continuar promovendo essa arte em sua potência original, sem perder a essência e o discurso que nos é tão caro. É um momento em que galerias, instituições e artistas precisam estar atentos e engajados em fortalecer essas conexões, garantindo que o interesse pela nossa arte não seja apenas uma fase, mas uma valorização duradoura e genuína.
Ao longo de sua trajetória, muitas mudanças aconteceram. A internet, com certeza, é uma das principais. Como isso impactou a sua forma de trabalhar? Qual outra mudança você destacaria?
A internet, sem dúvida, transformou a forma de trabalhar com arte, ampliando as possibilidades de alcance e facilitando a comunicação direta com um público global. Quando comecei, tudo era feito de forma presencial: viagens, encontros, cartas e ligações telefônicas para manter contatos e cultivar a rede de artistas e colecionadores. Hoje, com a internet, temos uma conexão imediata com o mundo, e isso nos permite compartilhar o trabalho dos nossos artistas de forma muito mais ágil e acessível. Mas essa proximidade virtual também exige atenção para manter a experiência da arte mais humana, mais profunda, que é o que realmente impacta as pessoas.
Outra mudança significativa que eu destacaria é a profissionalização do mercado de arte no Brasil e na América Latina. O cenário evoluiu muito nas últimas décadas, e hoje temos uma estrutura que valoriza o artista, o colecionador e o público, com feiras, museus, bienais e centros culturais que se equiparam aos de qualquer parte do mundo. É uma evolução que sempre defendi e que agora vejo como uma conquista fundamental para todos nós.
Quais são suas visões e planos para a Galeria Luisa Strina nos próximos 50 anos?
Continuar fortalecendo a arte brasileira e latino-americana, não só no Brasil, mas em diálogo com o mundo. O compromisso da galeria sempre foi o de apoiar artistas com trabalhos de impacto e relevância social, política e cultural, e acredito que essa missão permanece essencial. Quero ver a galeria como uma plataforma cada vez mais plural e inovadora, que ajude a reimaginar o papel da arte na sociedade.
Você tem alguma realização pendente para a galeria?
Apesar de termos já conquistado um espaço significativo para a arte brasileira no exterior, acredito que ainda há muito a ser feito para garantir que nossos artistas estejam presentes nas principais discussões globais, não só através de exposições, mas também como agentes influentes em bienais, museus e coleções internacionais.
Também tenho vontade de fortalecer nossas iniciativas editoriais e documentais. Estamos organizando uma publicação comemorativa para marcar os 50 anos da galeria. Este livro não apenas contará nossa trajetória, mas também incluirá ensaios críticos e documentações de momentos marcantes, proporcionando um panorama do impacto da galeria e dos artistas que representamos. É uma forma de revisitar e compartilhar nosso legado, e, ao mesmo tempo, de olhar para o futuro, celebrando e reafirmando nosso compromisso com a arte brasileira e latino-americana.
Se pudesse resumir sua jornada de 50 anos em uma frase ou sentimento, qual seria?
Para mim, é uma trajetória de aprendizado contínuo e de construção de um legado que reflete o espírito dos artistas e do tempo em que vivemos.
O que você diria para alguém que pretende abrir uma galeria?
Eu diria que abrir uma galeria é um ato de coragem e paixão. É fundamental ter uma visão clara e um profundo respeito pelos artistas e pela arte que se deseja representar. Além disso, é crucial construir relacionamentos sólidos com colecionadores, críticos e o público. Esteja sempre aberto ao aprendizado e às mudanças do mercado, e não tenha medo de inovar. O mais importante é ser fiel à sua essência e acreditar no poder transformador da arte.
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